terça-feira, janeiro 16

Gravidez na adolescência


Relatórios, diagnósticos, jornais, revistas e programas de televisão vêm destacando cada vez mais o tema da gravidez na adolescência, tratando de denunciar e dar visibilidade ao aumento do número de meninas grávidas em todo o País [Brasil]. Nessas matérias são citados vários factores que apontam os riscos físicos de uma gravidez nesta faixa etária, os riscos psíquicos dessa experiência, os prejuízos sociais para a jovem mãe, centrados principalmente no afastamento da vida escolar e no abandono de projectos futuros. Historicamente, no entanto, a idade das mulheres terem filhos está relacionada com os mecanismos gerados pela própria sociedade. Por exemplo, no Brasil do século passado, a faixa etária entre 12 e 18 anos não tinha o carácter de passagem da infância para a vida adulta. E as meninas de elite entre 12 e 14 anos estavam aptas para o casamento; não casá-las nessa idade era problemático para os pais uma vez que, depois dos 14 anos, começavam a tornar-se velhas para procriar. As uniões dessas crianças eram abençoadas pela igreja. Esta constatação mostra quanto a concepção de adolescência está ligada não só a factores físicos e psicológicos mas também a factores económicos que determinam o modelo de sociedade de cada época. Para a psicologia, a adolescência corresponde a um período entre o final da terceira infância até à idade adulta. Este período é marcado por intensos processos conflituosos, com esforços de auto-afirmação. É também um período no qual ocorre uma grande absorção de valores sociais e a elaboração de projectos que levem à plena integração. Já a Organização Mundial de Saúde (OMS) define a adolescência baseada no aparecimento inicial das características sexuais secundárias para a maturidade sexual, pelo desenvolvimento de processos psicológicos e de padrões de identificação que evoluem da fase infantil para a adulta, e pela transição de um estado de dependência para outro de relativa autonomia. Em ambas as definições, o fenómeno da transitoriedade nos aspectos físicos e psicológicos estão presentes como elementos inerentes. Mas não se pode deixar de considerar que a forma de inserção da adolescência ou juventude na vida social adquire formas e importâncias diferenciadas ao longo da história, variando de sociedade para sociedade, de cultura para cultura e de acordo com o contexto económico de cada época. Actualmente, a sociedade atribui à faixa dos 12 aos 20 anos a actividade escolar e a preparação profissional, num contexto de dependência económico-familiar. Nas entrelinhas está dito que é preciso atingir a maioridade, terminar os estudos, ter melhor trabalho e melhor salário, para só então estabelecer uma relação amorosa duradoura A gravidez e a maternidade na adolescência rompem com essa trajectória tida como natural e emergem socialmente como problema e risco a ser evitado. A própria sexualidade dos meninos e das meninas jovens vê-se contrariada pelos projectos que a sociedade lhes impõe visando determinados fins. Por exemplo: a manutenção da reprodução dentro do marco da família; a necessidade de mão-de-obra qualificada em condições de participar da sociedade de consumo; e a intenção de conter a pobreza por meio da diminuição de nascimentos, sobretudo daqueles partos cujas mães sejam adolescentes pobres, na medida em que a pobreza exige, do Estado, assistência, políticas públicas de saúde, de educação, de habitação. No entanto, pesquisa recente tem apontado que, para muitos adolescentes, não existe uma relação directa entre gravidez e fim da juventude. Muitas famílias não vêem isso como uma ruptura social e, até mesmo, se solidarizam com a gravidez. GRANDES QUESTÕES Uma gravidez na adolescência sem dúvida desencadeia factores que representam um comprometimento individual com questões de diferentes ordens. Medo, insegurança, desespero, desorientação, solidão são reacções muito comuns, principalmente no momento da descoberta da gravidez. A gravidez tanto pode ser fruto da vontade quanto da falta de informação sobre sexualidade, saúde reprodutiva e métodos contraceptivos. Pode estar relacionada com aspectos comportamentais, como a inabilidade (às vezes inibição) da jovem para negociar o uso do preservativo com o seu parceiro, ou ainda com a falta de preocupação do rapaz em praticar sexo seguro evitando uma possível gravidez. Muitos homens esquecem-se que a contracepção e a prevenção das DST/SIDA não são questões que pertencem exclusivamente ao universo feminino: num relacionamento, as decisões e a responsabilidade sobre a saúde sexual e reprodutiva são de ambos. É importante conhecer mais de perto a realidade da gravidez na adolescência. Há questões muito complexas que merecem atenção especial para serem compreendidas: por exemplo, que associação existe entre violência doméstica, violência de género, desinformação, baixa escolaridade, situação de pobreza, baixa auto-estima e gravidez em idade precoce? De que informações e de que atenção à sexualidade e saúde reprodutiva dispõem as meninas que engravidam? E os meninos, que lugar ocupam nessa história? Que possibilidade têm os e as adolescentes de disporem de métodos contraceptivos de baixo custo? São estas e outras questões de diferentes ordens que ampliam a possibilidade de conhecimento e permitem desenhar propostas efectivas e adequadas de intervenção. Não se pode esquecer que os motivos que levam a jovem a engravidar - e que são vários - devem ser ouvidos e discutidos. Cada caso é um caso, e o desenlace depende da capacidade de se lidar com a questão, da maneira como se foi educado, dos valores de cada época e, principalmente, do apoio familiar e dos profissionais. Apoiar a adolescente que engravida e seu parceiro não significa estimular a gravidez entre adolescentes, mas criar condições para que esse processo não resulte em problemas físicos e psicossociais. POSSIBILIDADE DE INTERVENÇÃO A primeira coisa que um educador deve fazer é fornecer aos jovens informações claras e honestas sobre sexualidade e saúde reprodutiva. Muitos programas focalizam somente questões reprodutivas. No entanto, para se estabelecer sintonia com os anseios dos jovens é necessário desenvolver actividades que abordem também os aspectos sociais e psicológicos da sexualidade. Alguns programas que vêm obtendo êxito ajudam os jovens a desenvolver habilidades para lidar com a sua sexualidade, tais como poder de decisão, assertividade, capacidade de negociação, etc. O desenvolvimento destas habilidades pode ser trabalhado, observando-se os seguintes itens: a) garantir que o aprendizado e a discussão sobre sexualidade, contracepção e prevenção das DST/SIDA ocorra antes de os adolescentes ou jovens iniciarem a vida sexual activa; b) incluir e garantir a participação dos adolescentes em todos os estágios do processo educacional; c) levantar temas de interesse sobre sexualidade, discuti-los por ordem de prioridade e levá-los a reflectir sobre a necessidade de usar contraceptivos para evitar a gravidez e prevenir as DST/SIDA; d) reflectir e discutir as relações de género, valores, sentimentos e emoções; e) responsabilizar também os meninos quanto à anticoncepção e à importância do uso do preservativo; f) estimular os meninos e as meninas a adquirirem novas habilidades e atitudes desenvolvendo actividades como dramatizações e exercícios de dinâmica de grupo. Além disso, uma abordagem com um carácter menos coercitivo, possibilita formular programas mais adequados às necessidades enfrenta-das pelos adolescentes, sem "pré-conceituar" a paternidade e a maternidade nessa fase como pura e sim-plesmente negativa. Muitas vezes, mesmo quando um rapaz quer assumir um papel activo como pai de seu filho, a maioria das instituições sociais ainda parecem recusar-lhe essa possibilidade. Do ponto de vista do educador, é importante criar espaços, mostrar alternativas e despertar o prazer pelo conhecimento. RECOMENDAÇÕES Além das acções educativas, é preciso constituir políticas de saúde reprodutiva para os jovens de forma mais ampla, com caráter intersectorial levando em conta a participação dos jovens, considerando a heterogeneidade existente, inclusive dentro da faixa etária (10 a 19 anos, na definição da OMS), e de jovens (15-24 anos, idem), e propor estratégias diferenciadas que privilegiem os grupos de maior vulnerabilidade. Implementar políticas que aumentem o acesso a serviços de promoção geral da saúde reprodutiva e a métodos que promovam o sexo seguro e a dupla protecção. E, além disso, implementar políticas que abram oportunidades para actividades produtivas, educativas e recreativas visando a ocupação do tempo livre e mudanças de estilo de vida, decorrentes da maternidade e da paternidade. É importante também considerar uma articulação intersectorial, garantindo as seguintes acções: a) inclusão de temáticas relativas à saúde e sexualidade na adolescência em todos os projectos voltados para adolescentes; b) articular projectos de educação sexual nas escolas com retaguarda nos serviços de saúde; c) garantir acesso e disponibilizar métodos contraceptivos para os jovens, inclusive a contracepção de emergência; d) garantir orientação sobre sexualidade e saúde reprodutiva para o pai e a mãe adolescente após o parto; e) criar abrigos para gestantes adolescentes, favorecendo o seu acesso a projectos de reforço escolar, profissionalização, etc.; f) garantir os cuidados da criança (creches, parentes, etc.) para que as mães possam continuar na escola; e g) implementar projetos comunitários que ofereçam atenção integrada aos adolescentes (saúde, reforço escolar, desporto, profissionalização, etc.). O PAI ADOLESCENTE A gravidez na adolescência tem sido vista e tratada como uma questão exclusiva do universo feminino. São poucas as agendas que relatam experiências de pais adolescentes. Segundo constatações verificadas pelo Programa PAPAI de Recife em seus trabalhos sobre paternidade adolescente, a gravidez na adolescência confunde-se na literatura e nas acções sociais com maternidade na adolescência, ou seja, fala-se muito sobre gravidez na adolescência, mas, na verdade, fala--se mesmo sobre a adolescente grávida. Basta reparar que o filho em geral é percebido como sendo da mãe; o homem jovem quase sempre é percebido como naturalmente inconsequente, aventureiro e impulsivo; o jovem pai é visto, sempre e por princípio, como ausente e irresponsável. Um dos problemas centrais dos estudos sobre gravidez na adolescência, inclusive comprometendo parte dos resultados obtidos, é a escassez ou ausência total de informações sobre os pais. Essas pesquisas tendem a focalizar a experiência da mãe e pouco (ou nada!) falam sobre o pai. Além disso, esses estudos:
a) não perguntam sobre o que pensam os homens a respeito da reprodução ou fertilidade;
b) as informações sobre o pai são obtidas de forma indirecta, muitas vezes a partir do que as mães dizem;
c) quando existem pais nas pesquisas, o número é geralmente muito pequeno e não se focaliza a experiência de ser adolescente e estar passando pela experiência da paternidade;
d) os resultados são pouco precisos para medir transformações psicológicas e culturais; e) nem todo o parceiro da grávida adolescente é também um adolescente. Em geral ele é um jovem ou adulto;
f) as informações disponíveis, geralmente, restringem-se aos que moram efectivamente com seus filhos.
Texto elaborado por ECOS - Comunicação em Sexualidade, disponível no site do Instituto Pólis

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