terça-feira, janeiro 16



A gravidez e maternidade na adolescência

27/02/2006
Ao longo de alguns anos de experiência profissional na área de Saúde Materna e Obstetrícia, particularmente no bloco de partos, confrontei-me inúmeras vezes com grávidas e puérperas adolescentes e com toda a ambivalência de sentimentos e situação de crise que as envolve, assim como com toda a sua família.

As situações que vivenciei fizeram-me reflectir e questionar este tema tão complexo e abrangente e que me preocupa enquanto profissional de saúde e enquanto mãe.Em Portugal, a gravidez na adolescência, e embora se tenha observado uma franca diminuição nos últimos anos, é ainda uma realidade preocupante, que revela que há um longo caminho a percorrer que deve envolver o esforço de equipas multidisciplinares e a articulação entre as mais variadas instituições com um objectivo comum: o de prevenir e educar. A este respeito refere Graça (2000:168) “Através de cuidados pré-natais tempestivos e adequados, é possível reduzir os desfechos materno-fetais, associados à gravidez antes dos 18 anos e torná-los globalmente sobreponíveis aos da população em geral”.A adolescência é, sem dúvida, um período de grande vulnerabilidade física e emocional. O adolescente tenta afirmar-se e adquirir autonomia elaborando, para isso, o seu próprio sistema de valores, no sentido de se ajustar à comunidade onde se encontra inserido. Surgem, por isso, situações de desequilíbrio à procura de um equilíbrio, considerando-se a adolescência um período de crise. Tendo em conta que na mulher existem três grandes períodos de crise - a adolescência, a gravidez e o climatério - com a gravidez a adolescente atravessa uma dupla crise, como refere Correia (2000:13) “...uma gravidez na adolescência é considerar um duplo esforço de adaptação interna e uma dupla movimentação de duas realidades que convergem num único momento: estar grávida e ser adolescente”. A gravidez na adolescência é, portanto, considerada de alto risco, tendo em conta a idade, a imaturidade psicológica, e as alterações físicas que a gravidez origina num corpo ainda ele em desenvolvimento, com algum nível de imaturidade orgânica para a gravidez e para o parto, para além de todos os riscos obstétricos inerentes. Na nossa sociedade o problema é grave e deve envolver, como já referi, uma equipa multidisciplinar, como sendo o médico, o enfermeiro, o psicólogo, o nutricionista e o professor.Sendo a educação para a saúde um processo educativo que deve começar pela identificação das necessidades do indivíduo, inserido no contexto familiar de um determinado meio envolvente, falar de educação para a saúde na mulher/adolescente/grávida é considerá-la claramente neste domínio.É através das consultas pré-natais que a adolescente, com necessidades especiais, nomeadamente a nível da comunicação (de expor os seus problemas e de sentir confiança), poderá sentir todo esse apoio e orientação. A importância dos cuidados pré-natais é notória pela sua repercussão na qualidade de vida e futuro do indivíduo na sociedade.Deste modo, quando se “cuida” de uma adolescente grávida e/ou mãe, este cuidar não se limita ao fisiológico para o restabelecimento físico, mas também a todos os aspectos que caracterizam uma realidade de vida presente e a sua projecção para o futuro, baseada num passado muito próprio e único de cada adolescente. Na minha opinião, é fundamental que os enfermeiros e, especialmente, o enfermeiro Especialista em Saúde Materna e Obstetrícia, para além de desenvolver competências técnicas, desenvolva competências relacionais porque, se ambas não estão presentes no mesmo momento, não é possível humanizar os cuidados. A gravidez e maternidade na adolescência são processos complexos, que dependem da capacidade de decisão/apoio da adolescente na sua situação específica, tendo em conta os factores familiares, sociais, económicos e culturais. É necessário desenvolver e envolver programas sócio-políticos que estimulem os profissionais no sentido de um maior empenho em pesquisas e programas de intervenção dirigidos à adolescente e família.

Enfª Anna Paula LopesUrgência Obstétrica e Ginecológica

Sem comentários: